Rudy embarcou num comboio sem destino, que já ia a meio caminho do seu ignoto fim. Mas Rudy não quer chegar lá. Não, Rudy não quer chegar a lado nenhum. Ele precisa é de tempo, ele precisa é do tempo: do tempo que nunca teve para viver, do tempo que nunca teve para amar, do fero e áspero Tempo que, embora se avolume inexoravelmente num infindável suceder de segundos, minutos, horas, dias, semanas, meses e anos, nunca lhe deu tempo - a ele, Rudy - para viver.
Rudy não entende como nunca amou. Rudy não percebe como nunca viveu. Segue sozinho - mas sempre acompanhado pela sua ignorância e pela modorra que o invade e lhe tolhe os impulsos vitais - na carruagem da terceira classe. E segue só porque todas as outras pessoas estão um ou dois passos à frente dele, uma ou duas classes acima, em vagões confortáveis e modernos, em vidas completas e felizes...
"Porquê?", pergunta-se Rudy, "Porquê?". Será por ser gordo? Será por ser feio? Será por não ter tentado o suficiente? Será por ter tentado demais? Rudy precisa de tempo, daquele tempo que sempre esbanjou sem nunca ter. Precisa de tempo para viver. Precisa de tempo para procurar respostas, para solucionar o enigma da sua vida. E, por isso, Rudy segue sozinho naquele comboio sem rumo nem destino - não pela ânsia de saber o que está no término da linha, mas pela sofreguidão de descobrir o que ficou para trás, de vislumbrar e viver aquele doce segredo do mundo no qual só ele nunca reparou, no qual só ele nunca almejou agarrar...
Rudy pensava que todas as coisas boas da vida acabavam por encontrar, com naturalidade, aqueles que por elas sabiam esperar. Mas, recentemente, Rudy descobriu que essas coisas boas podem chegar demasiado tarde... É tarde, já é tarde para ele! E o comboio corre célere, num perpétuo movimento eléctrico e mórbido.
Subitamente, Rudy sentiu todos os assentos vazios, todas as janelas embaciadas, todas as juntas metálicas e todas aquelas envolvências inertes a acossá-lo em uníssino:
"Em toda a tua vida, em todos estes anos,
Nunca viveste, nunca amaste!
Apaga a luz, porque os teus sonhos são negros
Como o azeviche que dá cor às tuas lágrimas!
Que conselho sensato estás à espera de ouvir?
Será melhor esperar por ele? Ou será melhor viver?
Aprende a ganhar controlo!
Aprende a viver a tua vida!
Aprende a sonhar o teu sonho!
Aprende a lutar pela tua demanda!
Tens que sair desse infinito torpor
Para descobrires o sentido da vida,
Para apreciares o sabor do amor!"
Por entre inintelígiveis sons que insistiam em atiçar Rudy, o comboio chegou, enfim, ao término da sua jornada. Rudy saiu da carruagem, ainda cambaleante, ainda atordoado. A retrospectiva da sua desditosa vida arrebatou-o, fê-lo pensar. Mas Rudy sabia que não mudaria nada na vida dele nele. Rudy sabe que, mal o comboio regresse, voltará a seguir viagem nele, num nefasto ciclo vicioso que o corrói por dentro, que o mata a cada passo, a cada zunido dos gonzos das carruagens. Não há escapatória: e o funesto som da carruagem já se faz ouvir, ao longe, como se viesse dos confins do mais dantesco pesadelo, a que Rudy chama vida...