Coluna IRanimA

Aqui escrevem colaboradores IRanimA - www.iranima.net 2ª Feira - Roxanne W. 3ª Feira - Daniel Lourinho Campos 4ª Feira - Ana Fernandes 5ª Feira - Maria José Martins 6ª Feira - Maria Augusta Sábado - Zalberto Rato

segunda-feira, dezembro 25, 2006



Conto de natal
rosto encarquilhado, pele gretada e lábios sovados por múltiplas mãos. corpo lânguido que ginga constantemente e sabe fingir ter prazer de cor...
os olhos amendoados e encovados que já possuiram um brilho curioso de criança, e que agora se viam desgastados de tanta procura encontrada nos olhos dos outros...
as axilas e virilhas para além da pele seca e tanta vez escovada em vão, já não tinham o seu cheiro, mas sim o do suor dos milhares de corpos que estiveram em cima de si.... a sua vagina que agora ja perdera a elasticidade e a vontade de fazer o máximo de dinheiro possivel para a próxima dose permanecia na posição de "aberta 24h" sem descanso da empregada, como se fosse uma loja de conveniência... ela era uma loja de conveniência onde se deposita o esperma, se finge que recebe carinho e se leva uma leveza no espírito e nos testículos...
os cigarros são a única consolação do dia depois de cada coito fingido e da constante sensação de cortiça na boca (que provêm do constante mastigar de pastilha para disfarçar o sabor do enjoo e do nojo de si própria).
de sorriso colado à cara, que já não disfarça a doença, não é a primeira vez que é espancada... ali não é lugar para choros ou birras e o hábito do corpo sovado já não a deixa derramar uma lágrima... nem o facto de ser anã lhe poupou alguma vez os maus tratos, pelo contrário, despertou sempre nos homens uma maior brutalidade e sentido de superioridade, e nos pedófilos a sensação te foder uma criança e uma mulher ao mesmo tempo...
Mulher da vida, mulher perdida, ladra, puta, poço de doenças e de poucas virtudes, cabra, toxicodependente, drogada são alguns dos nomes que assina como já sendo seus.
de cara vermelha e boca ensanguentada depois do murro no queixo, e ainda a olhar para o chão, vomita algumas palavras para o seu cliente:
- são os 20 euros do costume!
o enfezado de barbas pútridas e calças duras do peso de tanta sujidade e transpiração entrelaçadas no tecido, dentes amarelos e podres, e um olhar esgazeado pela solidão, pelo raiar da morte e pela intempérie da loucura cuspiu-lhe a resposta:
- deves ainda estar convencida de que o pai natal existe...
saiu daquela cova que o mundo finge que não existe e bateu a porta num estrondo.

segunda-feira, dezembro 18, 2006


um suspiro que me consome por dentro... as entranhas revolvem-se e dão nós de ansiedade! não sei o que fazer, porque fazer, como fazer...mas sei que tenho que fazer qualquer coisa... há um desespero... há um sufoco que me paralisa os membros e o raciocínio...não escrevo mais...

domingo, dezembro 17, 2006

Outubro, Novembro, Dezembro. Três meses de actividade e foi preciso estar perto de concluir o primeiro trimestre para a IRanimA ganhar a confiança de alguns parceiros estratégicos que podem vir a ser importantes para o crescimento e solidificação desta marca que se quer de apoio aos novos talentos. Durante estes três dedicámo-nos quase por inteiro ao mundo literário e demos apenas alguns minutos ao meio artistico e musical, pelo que nos próximo trimestre esta será a nossa aposta mais dinâmica, de modo a equilibrar as actividades conduzidas pela IRanimA.
Neste momento, novos talentos literários têm a possibilidade de divulgar as suas obras, que na maior parte das vezes ficam escondidas do público comum, através da nossa prateleira virtual e comercializá-las a partir da nossa livraria ambulante e da nossa loja online, que a partir de terça-feira terá uma nova imagem com carrinho de compras e dividida em secções. Também a partir da prateleira virtual, novos talentos podem divulgar as suas obras ainda não publicadas junto de editores e futuros leitores interessados. A nível literário está ainda a ser desenvolvido o projecto de prémio literário e a comercialização de cursos de escrita ao domicílio prestado pela nossa mais recente parceria - Reticências [Creative Shop] -, bem como continuarão em campo os projectos de Compilações IRanimA e da Coluna de Textos, onde alguns dos novos escritores de amanhã terão oportunidade de começar a mostrar os seus trabalhos. A nível literário prossegue ainda o projecto Factor 40, que vai colocar alunos do secundário a escrever um livro, e na mesma onda de pensamento vai ser criado um projecto idêntico para uma compilação de textos de poesia e contos de reclusos portugueses.
As compilações são uma aposta da IRanimA, não só a nível literário, mas também no campo musical, que mal tenhamos acordo selado com a produtora com quem temos desenvolvido conversações, trará muitas novidades aos novos talentos musicais, quer com a criação das compilações, quer com a criação do prémio "O meu primeiro álbum". Também a loja online apostará na venda de álbuns destes novos talentos, no mesmo registo do que tem feito com os livros. O agendamento de espectáculos é outra das apostas que temos em mente para o início do próximo ano, no trabalho comnovas bandas e artistas.
Os novos talentos das artes plásticas, terão também a possibilidade de juntar à sala de exposições virtual, a oportunidade de exporem em associações e espaços culturais com os quais temos desenvolvido algumas conversações e de tomarem conhecimento de alguns concursos destinados ao seu tipo de trabalhos.
No apoio a novos talentos, há ainda as seguintes novidades:
- O projecto Q10 desenvolvido entre a IRanimA e o Portal dos Novos Talentos - um portal de Joana Cristal a ser inaugurado a partir do dia 15 de Janeiro
- A parceria com a editora alternativa IN CULTO - que entregou todo o trabalho de coordenação e selecção literária à IRanimA.
- Cursos de Fotografia
- Concursos Culturais
- Produções e Ideias IRanimA
- Palestras IRanimA
Para o início de 2007, e apesar das dificuldades em manter de pé o projecto, temos total confiança de que estas novas parcerias nos vão ajudar a ganhar um espaço próprio no panorama cultural nacional, bem como não tenho dúvidas de que muitos daqueles que recorrem aos nossos projectos não só não se vão arrepender de o ter feito, bem como estou certo que desse leque de novos talentos sairão alguns dos melhores artistas de amanhã.
"Hoje, os novos talentos são a nossa aposta. Amanhã, serão património de todos"

sexta-feira, dezembro 15, 2006


E o tempo, não me deu tempo

Do tempo, que precisei

Ao tempo, eu peço, o tempo

Do tempo, em que sonhei...

segunda-feira, dezembro 11, 2006


Desfasamento entre a boca e o pensamento

- Não acredito, a sério que não acredito que me estejas a dizer isto!!! Que estupidez…
- Não percebo, a sério que não percebo porque me dizes isto…
- Que mentiras me contas, como se existisse isso do gostar mais ou do gostar menos, deves é gostar de outra…
- Porque me magoas, ontem estava tudo bem e hoje tudo desmoronou… Não acredito que tenha que acabar agora…eu gosto tanto de ti…fica…
- Faz sentido dizeres que tens medo de me magoar? Sabes o que isso significa? Que tens medo de te magoar a ti mesmo…se projectarmos as culpas nos outros, a mágoa nos outros…tudo para nós fica mais fácil e mais leve não é? Que bom que és…acabar tudo porque não me queres magoar!
- Mas tens a certeza que não há volta? Fomos tão felizes juntos amor…podemos continuar a ser…
- Fazeres-me chorar assim…sabes o que te digo? És egoísta…os sentimentos não mudam de um dia para o outro, devias ter-me dito que tinhas dúvidas, que precisavas de espaço…mas não…decerto ficaste por aí a remoer e enquanto isso sorrias, beijavas-me, mentias-me!
- Mas quero entender porquê…fui eu? Fui eu que fiz ou disse alguma coisa? Magoei-te sem perceber? Não será melhor conversarmos amanhã…hoje pode ter sido apenas um dia mau…
- Um dia mau…que boca mais parva!!!! Num dia mau, não se diz a quem se gosta que a relação que até agora parecia correr as mil maravilhas termina, porque não te queres ver magoado...
És egoísta…estúpido…não queres? Não queres uma parva que te passe a mão pelo ombro e que enxugue as tuas lágrimas? Já não… de certeza que já não, uma vez que ao mínimo contratempo desistes dos tijolos que construímos juntos… questiono-me se tudo não terá sido uma ilusão…tal como me disseste que me amavas, me dizes agora que não me queres magoar….se esta é agora uma mentira que me contas terá sido tudo o resto??? Não me querias magoar, mas o que mais me dói é pensar que me mentiste sobre como te sentias e como me sentias a mim…
- Por favor…vamos conversar…gostas de mim? Por favor preciso que me respondas… não me deixes com o silêncio…sabes que o silêncio magoa tanto quando só queremos ouvir do outro lado um sim…e eu agora já não sentirei os teus beijos, a tua pele ao acordar, aquele olhar que me faz corar e esquecer o resto…os telefonemas, as mensagens… já não há partilha? Dizes que já não há sentimento de um dia para o outro…oh amor…olha para mim…
- Deixa-o ir… não te merece quem diz que és um tesouro que jamais encontrará igual e o deixa fugir assim entre mãos… se fosses assim tão preciosa não fazia sentindo que quisesse ficar com o tesouro? Como se quiséssemos a pobreza ao invés da lotaria…sim é isso que ele te diz, diz-te que prefere que a “sua pedra preciosa que o entende como provavelmente mais ninguém” não fique na sua posse…ridículo…e tu mais ridícula és a humilhar-te assim…ele mentiu-te…escondeu-te o que sentia e as dúvidas que tinha…achas que merece que implores assim…vá não sejas ridícula! Levanta-te…deixa-o… sim vais sentir-te triste…sim vais sentir falta da companhia e dos mimos e tal mas não vais morrer por causa disso!! Sabes o que se diz…”o que arde cura…”…

A batalha entre a boca que sente e um cérebro que pensa sobre o que sente foi ganha por quem? A princípio, o choro e a mágoa ganham sempre…há o correr a trás, o não querer perder… Depois da tentativa falhada, a razão ganha pelo cansaço… e aí apodera-se o orgulho ferido, a tristeza, a revolta, a angústia… e lá muito de vez em quando, quando a razão se distrai aparece uma ponta de saudades, de devaneios… Tudo se pode voltar atrás….depende de quem ganha…

terça-feira, dezembro 05, 2006

A história da sua estada em Lisboa é algo de tão extraordinário como de real. Claro que, para efeitos de uma narração mais cativante e de uma descrição mais floreada, certos factos podem ter sido ligeiramente (ou brutalmente) romanceados. Tenha o leitor em conta que, no seu cerne, os acontecimentos que se seguem são baseados em ocorrências verídicas.
Ela era proveniente de uma pequena cidade de interior e, tal como as suas amigas de turma, decidiu-se a vir estudar para Lisboa, essa selva de betão que, para quem está habituado ao conceito de "cidade" que se vive por esse país afora, parece merecedora de um epíteto que não o de cidade: talvez metrópole, talvez caos!
A primeira experiência que tivera, por sua conta, em Lisboa, anos antes, havia sido traumatizante. Porque em Lisboa, as regras são diferentes. Passar numa passadeira quando o semáforo dos peões está verde não invalida que sejamos passados a ferro por uma viatura apressada para a qual o semáforo também estava verde. Assim é Lisboa. Esperar pelo autocarro à hora de ponta nem sempre nos garante um lugar nele, que pode já chegar apinhado e sobrelotado. Assim é Lisboa. Entrar feliz no metro e, ao sair, reparar que o nosso telemóvel, que seguia descansadinho no fundo do bolso do casaco, se volatilizou, é normal – assim (também) é Lisboa.
Agora, mais crescida, já quase uma senhora, decidira-se a entrar numa nova vida – a de estudante universitária. Para isso, contava com o inestimável apoio de duas das suas amigas de turma, que haviam arranjado um apartamento "agradável", nas palavras delas, ali para os lados da Cova da Moura, "perto de transportes e não muito longe do metro", também segundo elas. Só que, como ela constataria, os autocarros só passavam de meia em meia hora e o metro distava trinta minutos a pé. Depois ainda tinha que mudar de linha uma vez e passar por umas quinze estações. Sim, aquele apartamento estava no centro do mundo. A Cova da Moura é que "rula", como afirmam os "dreads" e os "basofes" que habitam nesse "ghetto". Yô.
Como era a sua única alternativa, aceitou ficar com elas. Ao chegar ao apartamento, – uma velha cave, repleta de humidade e bolor em quase todas as paredes – elas ficaram radiantes e organizaram-lhe uma recepção em grande, com direito a festa de pijama e tudo. Por segurança, ofereceram-lhe uma Magnum carregada com balas de borracha, bem como um colete à prova de bala, "não fosse o diabo tecê-las". Ela, assustada, perguntou-lhes se o bairro era assim tão perigoso. Obteve uma resposta muito animadora: "Não, não é muito mau, há três dias que não há nenhum tiroteio aqui na rua, está descansada."
Assustada com aquele ambiente de motim que se parecia viver naquele gueto (perdão, bairro), não dormiu na primeira noite, mas já conseguiu dormir umas duas horitas na segunda. E só não dormiu mais porque, a certa altura, sentiu como que umas cócegas na cara. Depois sentiu-as nas mãos. Depois na barriga, por debaixo do seu pijama. Finalmente, teve essa singular sensação pelo corpo inteiro. Inicialmente riu-se e sacudiu-se mas, quando essas impressões se começaram a tornar desagradáveis, acendeu a luz da mesa-de-cabeceira para ver o que se passava. O que observou fê-la explodir num grito como nunca havia dado, tão estridente, tão forte e tão sofrido que, nas ruas vizinhas, todas as luzes se acenderam e todas as pessoas assomaram à janela, empunhando caçadeiras e revólveres, como que tentando verificar se não teria havido mais algum tiroteio. Na verdade, o que ela sentira era uma invasão de baratas, daquelas muito gordas e ascorosas, que se haviam divertido a explorar o corpo da nova ocupante da cave enquanto dormia. "Eram milhares", disse-me ela, em conversa. "E do tamanho de ratos.". Quando eu franzi o sobrolho em sinal de descrença face àquela descrição que me parecia uma hipérbole, ela corrigiu: "OK, eram centenas. E do tamanho daqueles ratinhos brancos.". Voltei a franzir o sobrolho e ela retorquiu com a descrição que me pareceu mais fiel e acertada: "Eram umas dezenas ainda. E bem grandes, nunca tinha visto baratas daquele tamanho. Mas, na verdade, nunca tinha visto baratas antes. Nem sei se eram baratas. Não tinham asas, deviam ser baratas. Ou as baratas têm asas?"
Obviamente, não ficou nem mais um segundo naquele local. Dias depois, deparou-se com uma das amigas do apartamento da Cova da Moura. Quando ia para lhe falar com um sorriso de orelha a orelha, ela virou-lhe as costas, o que deixou a minha amiga atónita e chocada. Decidida a descobrir o que se passava, tocou-lhe nas costas e perguntou-lhe que bicho lhe tinha mordido. Obteve uma resposta irada: “És uma ingrata. Tinhas um apartamento excelente e foste-te embora sem dizer água vai. Qual é o problema de umas míseras baratinhas? Nunca viste nenhumas? Fora os ninhos de ratos debaixo da cama, aquele era o apartamento perfeito e tu foste-te embora!”.
Triste sina a da minha amiga. Tinha o apartamento perfeito, se conseguisse ignorar os ninhos de rato e se domesticasse as baratas. Pobre rapariga. E o único problema dela é não conseguir lidar com insectos não-alados!

segunda-feira, dezembro 04, 2006


Cheguei a casa e pousei a mala em cima da mesa de entrada, e as chaves que trazia na mão. Pendurei o casaco no bengaleiro em forma de arabesco da entrada. Fui à sala, liguei a tv e voltei a desliga-la. Decidi inovar, liguei o rádio, aumentei o volume e dirigi-me à casa de banho.
Pus a água quente a correr. Despi-me vagarosamente, ao sabor de um strip para mim mesma cadenciado pela música.
Os sapatos a dar de si, a camisola a cheirar a fumo, a t-shirt a cheirar a suor, as calças encharcadas pela chuva, as meias coçadas pelo uso… amontoei tudo desorganizadamente, numa mistura de texturas e cores, vazios da forma redonda que os habitara anteriormente…tal como uma cobra que camada a camada se vê livre daquele padrão que a definiu até ali. Precisava esfregar-me bem, tirar da pele o dia do costume, as conversas do costume, o arrastar do costume…
Entrei na banheira e deixei-me estar ali, de molho, como se fosse a roupa que atirara para o canto, perto da porta…
Fiquei mergulhada, de cabeça de fora de água mas de cabelos a flutuar… a ouvir a música que ecoava pela casa nua. Fechei os olhos. Aquela água quente encarquilhou-me os dedos e enrugou-me as ideias, queimou os pensamentos de um dia idiota, feito do habitual fingimento de produtividade. Esfreguei-me bem, chegando até a arranhar-me, com medo que aquela inércia fosse absorvida pelo corpo e tal como o dia me tornasse amorfa. Fiz sangue, deixei-o correr um pouco e depois vi-o espraiar-se pela água feito peste. Puxei a tampa do ralo e levantei-me…e a transparência branca da banheira tornou-se vagarosamente num vermelho diluído, modorrento e depois, já perto do fim ganhou velocidade e escorreu pela garganta cano abaixo.
Voltei a abrir a água, desta vez o chuveiro. Sentei-me “à chinês” debaixo daquele jacto quente que me chegava a avermelhar as costas. Senti a pele ser massacrada com cada murro de água que saía aos repelões do chuveiro com uma pressão imensa…os cabelos colados á cara formavam um escorrega perfeito…o vapor…um nevoeiro intenso…
Deixei-me ficar assim uns minutos…
A minha cabeça estava de tal forma misturada com aquela jorrada de litros de água e atitude que deixei de ouvir a música que havia posto na sala, passei só a ouvir a tonelada de cada gota e de cada salpico na minha nuca que por sua vez ia habitar os ombros e espraiar-se pelo peito, barriga, coxas, banheira, ralo, tubo, cifão…
Fechei a torneira. Ainda sentada fiquei ali (meio em transe) a ouvir a ausência daquela cadência de gotas agressivas…
Pouco a pouco voltei a ouvir o rádio “(...) And you cant fight the tears that ain't coming, Or the moment of the truth in your lies.When everything feels like the movies,Yeah you bleed just to know you're alive(...)”. A minha pele arrepiou-se, talvez pela pele que estava colada à minha ter desaparecido com a água...
Pele...pele inventada...agarrada ao céu da boca pelos comentários quotidianos, os gestos quotidianos de quem não sente, apenas sabe de cor a coreografia…

sexta-feira, dezembro 01, 2006



Sedução...ou almas gémeas ???...

Um dia leu num livro que todos temos mais do que uma alma gémea, porque as Almas se vão dividindo. O problema coloca-se quando duas almas gémeas se encontram na mesma vida...pois acabam por sofrer...
Isto leu anos mais tarde. Talvez fosse a explicação que tanto procurava.Desde o primeiro instante em que o viu, foi como que um encantamento, sentiu-se preenchida e em Paz. Perto dele, o mundo deixava de existir e o tempo parava. Era algo que não conseguia explicar. Ele era um homem vulgar. Não era bonito e tinha estatura baixa. O que sentia era muito espiritual. Era como que um aconchego para a sua alma que se sentia inquieta.
Desde esse dia, os seus pensamentos voavam sempre na mesma direcção, desde ao acordar ao deitar.Ele era um médico de renome, casado e pai e ela frequentava as suas consultas com a filha. Os anos arrastaram-se e o carinho aumentava.... era palpável no ar... quando a olhava nos olhos, ele conseguia ler-lhe o que lhe ia na alma... e ela sentia-se em paz e lia uma ternura imensa naquele doce olhar. Na hora da despedida, ele afagava-lhe os cabelos dando-lhe dois beijos no rosto.Nas horas de aflição, ele esteve sempre lá, marcando a sua presença com o carinho que lhe era habitual.
Pensou; que poderá haver de mal em dizer a uma pessoa que a amamos?... Um dia podemos querer fazer isso e ser tarde. Só queria dizer-lhe o que sentia por ele ... nada mais , queria continuar com o seu casamento, não admitia sequer a hipótese de viver sem o marido, a quem amava.
Fez-lhe uma linda carta de amor, a dizer o que sentia, pois não devemos sentir vergonha dos nossos sentimentos. Disse-lhe também que, visto ser esse amor tão grande e impossível, se encarregaria de o espalhar por todos aqueles que se cruzassem na sua vida...assim o seu amor por ele seria imenso.
Uma semana mais tarde, falaram pelo telefone. A voz dele estava embargada pela emoção. Falou muito. Ela escutou. Do que lhe disse guarda três frases na memória...." Devíamos ter-nos conhecido há uns anos atrás. Agora é tarde"..."Vamos olhar-nos sempre nos olhos com muito, muito carinho"..."O meu sentimento por ti é muito vivo", e, quando disse esta última frase, quase chorou.
Sentiu-se triste e impotente .Nessa noite agarrou numa cópia que tinha da carta, rasgou-a em pedaços e juntou-a com pétalas de rosas e caminhou em direcção à praia. A noite estava fria e ventosa . Não havia lua. Na praia escura, atirou as pétalas ao mar, juntamente com os pedaços de carta levados pelo vento. Chorou em silêncio e voltou para casa.Depois deste dia, viram-se só mais uma vez. Ele ficou muito nervoso quando ela entrou no consultório, depois pediu para sair um pouco , disse que não se sentia bem. Reparou que ele massajava o peito, metendo a mão pela camisa aberta. Quando, minutos mais tarde voltou a entrar afagou-lhe a ponta do nariz e olhou-a com carinho. Já estava recomposto. Decorrida a consulta despediu-se com um beijo na face, acariciando-lhe os cabelos.
Conversou com um amigo sobre o assunto. O amigo disse-lhe que tinham mantido durante todos esses anos, um jogo de sedução. Não acreditou nisso... achava que era mais do que isso, muito, mas muito mais. Só que agora o jogo estava em aberto. Agora nada seria como dantes....Resolveu nunca mais lá voltar ..... embora sinta muitas saudades...
Ele remeteu-se ao silêncio, como homem de grandes princípios que é.Guardou-o num cantinho do coração, onde vai ficar até ao dia em que partir e ele conhecendo-o como o conhece, deve ter feito o mesmo.Espalha o Amor pelo mundo e ele.... conhecendo-o como o conhece , provavelmente faz o mesmo.Por vezes questiona-se sobre o que quereria ele dizer com "um sentimento muito vivo " e fica a olhar o mar à espera de uma resposta.Não tem dúvidas de que era... e é uma alma gémea da sua e tem a certeza de que se voltarão a encontrar, só não sabe se nesta ou noutra vida....
Enquanto esse dia não chegar, vive por aí...semeando o Amor.